sexta-feira, 19 de março de 2021

Carta de amor a um amor eterno

Hoje eu lembrei da última noite que ficamos sentadas no meio-fio, na Avenida Paulista, esperando o metrô abrir. Eu me sentei na varanda da casa que você nunca conheceu e chorei.


Sabe... daqui eu vejo a lua em todas as suas formas. A minha voz embargou desde que você se foi, meu canto é mudo e tudo que vejo reflete memórias. Eu lembrei da última história que você me contou... do último teatro interativo, naquele meio-fio daquela Paulista caótica, que aos poucos começava a esfriar e já não combinava mais com nossas roupas.


Eu andei pela casa e senti ausência, e dessa vez eu não fugi... e de tão sozinha que estive você se fez presente. A compreensão não me cabe mais, logo eu que necessitava compreender. Você ria e dizia que eu precisava sentir. Eu demorei quase cinco anos inteiros para compreender o que sua alma já sabia de cor. 


Sabe... hoje eu ouvi Charlie Brown e chorei. Eu lembrei da última vez eu te vi. Você detestava aquele lugar e você não sorriu para mim. Eu lembrei do dia que eu me sentei no carro enquanto fazia sua última tiara de girassóis, você amava girassóis. Lembrei das nossas aulas de heliotropismo e de como você cantava e ria ao mesmo tempo... lembrei disso enquanto decidia quais músicas tocariam na sua despedida.


Embora não parecesse possível a vida continuou, contra a minha vontade durante muito tempo. Hoje não mais. Hoje eu abri uma caixa de recordações e tinha uma carta de 10 páginas que você me enviou da última vez que esteve na Bahia. Você escrevia um pouco por dia. Me contava do clima, dos amores, das músicas que conheceu. Você me contou das suas colegas de quarto e de como o mundo não era suficiente para acabar com a solidão. Um dia todo você dedicou a descrever meu abraço e a falta que ele te fazia. Nessa carta você me contou do que sentiu na primeira vez que viu uma Jubarte.


Sabe... eu tomei banho e fui passar creme no corpo, eu te tatuei... hoje eu te acariciei e chorei... Eu lembrei daquela vez que a gente assistiu um filme decepcionante na Augusta e atrapalhou o cinema inteiro. Eu odiei a gente aquele dia, mas só por um instante. Eu lembro de ouvir a sua voz abafada enquanto chorava de rir. Eu sempre tive tanto medo de esquecer sua voz.


Todos os dias quando acordo pela manhã e vou me arrumar eu lembro de como você repetia incessantemente que eu era uma mulher competente, bem-sucedida e que tinha orgulho de mim. Eu abro o guarda-roupa e tem a sua blusa. Aquela que você me emprestou na última vez que eu te vi lucida. Ela tem uma mancha de tinta na barra e um furo na manga. Lembro da piada que você fez quando me deu para vestir. Eu estava deitada ao seu lado na sua cama, a sua varanda estava aberta, ventava bastante e a noite começava a cair, lembrando aquele frio que a gente sentia nos finais de noite na Paulista. As suas plantas estavam todas vivas e tivemos uma das conversas mais sinceras da nossa vida.


Sabe... hoje eu fui me trocar, tinha uma reunião no trabalho, eu escolhi meu blazer, aquele azul e chorei... eu lembrei que você me chamava de “biblioteca ambulante de um sapato e um blazer só”. O que é contraditório, mas compreensível, eu nunca fui dada ao material. A nossa conexão surgiu desse lugar. Eu amava sua sagacidade e como só você no mundo era capaz de me ler e entender.


Acho que você notou que eu ando chorando bastante. A sua falta tem gritado silêncios dentro de mim e eu aprendi a sentir. Chorar não tem sido ruim, eu gostaria que você conhecesse essa pessoa que não tem medo de sentir. Você ia gostar mais de mim agora. Eu aprendi a lidar com meus sentimentos e acho que o amor é morada e não fuga. Eu tenho tentado me entregar. Tenho me permitido ser leve. Eu demorei a perceber que o tempo como conhecemos era um conceito ilusório criado por pessoas que não suportam se entregar ao desconhecido. Ele é ontem, é nunca. É agora, e você está aqui. Dentro, fora. Em mim.


Sabe... eu me sentei aqui para escrever e chorei... Lá fora tem infinitas luzes e daqui de cima eu vejo os carros passando na avenida. Estou vivendo uma pandemia mundial, trancada em casa e desejando que a vida melhore. Eu ouvi Lenine hoje de manhã e lembrei do seu cabelo preto voando aquele dia na praia. Eu senti falta do mar. Senti falta de você. Eu tenho transformado as nossas memórias e aprendi a driblar a dor.


Eu ressignifiquei e me sinto merecedora do orgulho que você sempre teve de mim. Acho que você sempre me viu como nem eu mesma conseguia. Eu escrevo essa carta em silêncio e te entrego em oração, para que você saiba que embora eu nunca tenha tido a oportunidade de te dizer, eu aprendi. A sua voz é guia e seus passos são mestres. Seu sorriso ainda é minha memória mais quente e eu agradeço a oportunidade de ter vivido a vida ao seu lado.


Receba essas palavras, pois meu silêncio é prece e meu amor será para sempre seu. Minha eterna melhor amiga.


Com amor e saudades. Eu honro e agradeço a sua vida.

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Caos e cores

O toque sensível, inesperado. Até o telefone sentiu a delicadeza que aquele momento exigia. Um toque e meus olhos tocaram a tela. “Pensa rápido” me exigi. Seu nome me impediu de pensar. Entregue estava.

Do outro lado da linha um riso nervoso, abafado. A sua voz trazia o tremor raro dos seres donos da coragem de enfrentar seus medos. Não existia nada a ser pensado. Entregue estava.

Despretensioso era a palavra que eu dava ao que existia entre a gente, sem saber que, antes de ser, já era pretensão. Por não saber definir cronologicamente onde começou e por conseguir trazer um elemento ou um fato marcante decidiu que aquilo cabia ao universo do acaso. O acaso é nunca. O acaso não existe. Assim como o tempo é um momento preso na memória, o tempo é nunca. O tempo também não existe.

O quanto você precisa entorpecer sua mente para que seu ego desfaça as barreiras e seu sentir seja livre?

A voz agora menos abafada, mais tímida me pede “passa seu endereço”.

Eu me preparei, organizei metodicamente o raciocínio, li o script, decorei todos os diálogos, analisei as possibilidades. Pensei na lingerie perfeita, treinei o olhar certo. Aquele que seduz e convida, mas mantem a frieza e a distância necessárias para evitar a invasão de meu universo particular.

Quando eu te vi eu não desmoronei como uma menina apaixonada, eu não senti frio na barriga, meu coração não disparou e nenhum frio atravessou a minha coluna. “Pensa rápido” me exigi. O que tem por trás do seu sentir ou da sua aparente ausência de sentimento?

13 andares, um beijo. Abri a porta da minha casa, meu lugar sagrado. O espaço onde me pertenço, onde sou o que não posso ser em mais lugar nenhum do mundo, onde ninguém habita. Entrei e segurei na maçaneta, dei passagem para que ele entrasse e num espaço tão curto de tempo quanto é possível a mente humana captar, eu compreendi... 

Não existia ausência o que existia era a incapacidade de nomear o novo.

Aos poucos meu corpo foi pesando, minha mente foi perdendo a habilidade de ordenar, os scripts foram escoando pelos espaços abertos de mim. Eu te reconheci, eu me reconheci em ti. Esse era o sentir. 

03h43 da manhã e já existiam nossas brincadeiras. Nosso jeito de existir antes de existir. Três horas depois, beijos, conversas, beijos, música alta, beijos, álcool, beijos, risadas, beijos e a extrema necessidade de compreensão.

Sumiram os diálogos, só existiam as possibilidades.

Tempo para um banho. Precisava do toque da água na minha pele para que eu pudesse me salvar de mim. Pensei na lingerie perfeita, na melhor posição, o jeito mais gostoso e confortável de pertencer. O ângulo mais bonito para que a gente finalmente materializasse os meses de conversas e trocas imaginarias. Minha cabeça girava, meu corpo não obedecia. Meus comandos estavam gastos.

Como em um filme, a cena corta, te encontro, mas não coloco a lingerie, não sigo o roteiro. 

Coloco uma camiseta GG do Harry Potter gasta e só. Sem ângulos bonitos e sem a lingerie perfeita eu encontrei o jeito mais bonito de pertencer e foi assim que a gente dormiu.

E então depois de meses de espera, sem sexo e sem cenas pitorescas de um filme de quinta categoria protagonizado na minha cama, a gente dormiu. Por 6 horas atravessados na cama.

Só restaram as possibilidades.

Acordamos juntos e de ressaca. Entregues estávamos e foi assim, desse jeito nosso e único que aquela noite eu te amei. Nossos universos colidiram e eu finalmente te reencontrei pouco antes de te perder.

Nada convencional, o telefone emudeceu. Foi assim que te perdi?

Nada convencional. Nada funcionou como tinha que ser. Agora a sua falta me habita e minha casa é reflexo do caos que você deixou. Nada está de volta ao lugar e foi assim que me perdi.

quinta-feira, 19 de março de 2020

Harshila Kali

Ontem eu cheguei em casa e chorei, chorei muito até esgotar. Então veio uma dor profunda, muito profunda, dor no peito, que irradiava pras costas, começou a faltar o ar e fiquei tonta.


Eu morri.


Então fui para o hospital, não consegui lidar. Cheguei no hospital era 3:33, a médica perguntou: o que houve? 

E eu respondi - uma profunda dor no peito que irradia pras costas ou das costas que irradia pro peito, não consigo respirar. 

Ela me examinou e confusa me disse que devia ser uma crise da coluna, me prescreveu medicamento, me colocaram os acessos, eu deitei pra tomar a medicação, não tinha ninguém no hospital, só eu. E eu me dei conta. Parei e fiquei presente, tentando ouvir o que meu corpo estava tentando me dizer. 

Eu tive crises e me mediquei para dores durante muito tempo, meu corpo sente demais as profundas dores que carrego na alma.

Eu renasci.

Olhei no relógio: 05:15 da manhã, o telefone toca, é 19/03/2016. Eu atendo o telefone com medo e ouço: Ci, aconteceu. Meu corpo inteiro reage, eu perco o ar, meu peito parece que vai explodir, minhas costas quebraram no meio pq eu havia sido reduzida, eu senti isso. 

Volto mais: é 18/03/2016, 21h00, eu tô no hospital, abraço a Ju e ela me diz que não aguenta mais, eu respondo: esse sofrimento está acabando, você sabe, né?

Olhei pra cima, a medicação acabou, é 19/03/2020 e eu estou viva. A dor foi se acalmando e meu corpo foi retornando pro lugar. Minha coluna uniu todos seus pedaços e agora eu sou do tamanho que me cabe. E só só por esse momento eu entendo a impermanência, entendo a necessidade de abolir esse tempo como conhecemos.

E então estou inteira, nada mais me falta.

Agradeço o enfermeiro pelos cuidados, ele retira o acesso, eu levanto e vou embora.

Foi como foi.

Eu entrei lá como Cinthia Manhani, e sai como Harshila Kali.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

E que tudo nos falte.



Eu tenho tentado...

Junto com você parece que se foi toda minha inspiração.

Um de seus últimos pedidos foi: seja feliz. Você falava como uma perita, queria me fazer acreditar no que nem você mesmo acreditava.

Você sabia que a vida não ia ser facil por aqui, sabia que a linha entre a minha vontade de viver e morrer, entre a minha sanidade e meu desespero era frágil, sabia de todas aquelas tardes em que sentávamos no meio fio, na Rua Augusta e ficávamos falando sobre a dificuldade de levar adiante, voltariam. E eu sei que foi por isso que você resistiu, você amava demais, você queria demais, se preocupava demais. 

Ainda hoje eu tenho dentro de mim uma inquietude, fico pensando que não existe depois, sabe? A gente conversa no banho, mas você não responde. Tenho raiva. Que tipo de pessoa sou eu que não consegue ouvir sua voz? Parece tão simples nos filmes, nos livros, parece tão simples pra outras pessoas. Quem sou eu que não consegue sonhar com você? Tenho raiva de você, de mim, das pessoas que tentam me fazer feliz. Tenho raiva das pessoas que sonham com você. Tenho raiva de todas as vezes que rimos despreocupadas, e de todas as vezes que falamos sobre coisas banais, tenho raiva de não ter previsto. Afinal, que tipo de amigo sou eu? O amigo que some, que não consegue comunicar, que se prende, que se esmaga, que se enclausura em dor, e que quer ser assim. Eu sou a pessoa que esta fazendo tudo da maneira que você pediu pra eu não fazer. E por isso que você não aparece? Ou e tudo uma grande mentira. Me recuso a acreditar que nosso últimos momento juntas foram esses. Não pode ser, você não entende, Juliana? Quantas vezes eu precisei te falar que não e so isso? Quantas vezes nos forcamos a acreditar que existe algo alem disso tudo?


Agora eu tenho tentado ficar invisel. Lembra daquele nosso medo? Daquela nossa loucura, que tiramos de `O apanhador no campo do centeio`. Lembra que dizíamos que ficaríamos invisiveis? A gente vira a esquina, e acabou. A gente não se vê mais no espelho, não se vê mais nos outros. A gente não se vê mais. Esse é o pior tipo de invisibilidade que pode existir, a mais temida, a irreparável, a falta que não repõe, o dia que não chega mais.

É como ficar preso dentro de você durante dias intermináveis, aquele lugar onde a tristeza chega a ser poética, e de tanto que lhe faz companhia você não se sente mais só. Parece injusto, ingênuo e egoísta, mas me sinto só. Vivo cercada de pessoas, algumas tão queridas, outras nem tanto, mas me sinto só. Me sinto só de você, é aquela falta que ninguém preenche, e eu to cansada de recusar afetos, eu não quero explicar que não quero que ninguém tome seu lugar. As pessoas não são isso. Daqui a pouco eu não arrumo alguém melhor... eu não quero outro alguém. As pessoas tem sede de alegria, vivem em uma missão de consertar o que tá errado. Eu não quero ser consertada, eu não quero seguir adiante, sentir sua falta agora faz parte de mim. E eu quero essa falta até o dia que talvez ela seja tudo que tenho. Quero essa falta até o dia que juntas a gente possa ter a certeza de que tudo é etéreo, e que nada mais nos faltará. 

sábado, 5 de janeiro de 2013

Vai acontecer.

Novo

Um novo jeito
acontece de acontecer
que toda vez eu me renovo

e te espero
sentada na calçada
ouvindo o coração
e desejando a nova vida.

Na risada e no sal
eu só espero.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Vai!

Eu me vejo nela.

Desde o primeiro dia. Aquela vontade absurda de querer bem, era querer bem a pessoa que eu fui.

Era a segurança de saber que você era mais que a continuidade, você era eu, quando eu não podia me ver.

Reconhecer-me em você me fez te odiar e amar de uma maneira tão intensa que escolhi te apontar o caminho. Não por pretensão, não por achar que talvez eu tivesse acertado, mas por nunca querer que você errase. Te apontei o caminho que eu não trilhei, pra que você fosse ainda o que não pude ser.

Eu quis tanto o teu bem que às vezes me esqueci de te deixar querer. E eu quis que você não falhase e joguei nas suas costas as responsabilidades de um futuro certo. Porque eu sabia, porque eu sei que você é melhor do que parece, que você é mais do que acha, que você pode ir em lugares onde nunca imaginou.

A tua presença é certa em mim, e teu futuro faz parte do meu presente. Não existe separação quando não existe dois. Você é eu. É o que eu não fui. O que ainda não sou.

E eu estarei sempre aqui pra você. Eu sou a amiga que está sempre lá, mesmo que não veja. E estarei lá, ou aqui... seja pra te apontar o caminho, seja pra seguir ao seu lado, quieta... deixando a vida passar.

Te amo, bichinho virtual.