quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Tá começando.

Todo final de ano é a mesma coisa.
As pessoas ficam boas, se amam eternamente, perdoam, é a natureza humana. Quando vemos que as coisas estão perto do fim costumamos ficar tocados. Deve ser essa perda que mexe com a gente e nos faz um buraco no meio do peito.

Esse ano pra mim foi igual, e tão diferente. Eu continuo no mesmo lugar, quando minha maior vontade é ir embora. Mas eu viajei, comigo mesma, com os meus sentidos.
É clichê falarmos sobre solidão, sobre decepção e sobre a primavera. Todos vivemos dias de inverno na eterna primavera de nossas vidas.

Esse foi o primeiro ano em que uma festa de aniversário me deixou animada e feliz. Eu recebi os convidados, abracei os amigos, a vida pintada de cor-de-rosa. Passou daquelas festas sem sentindo onde as pessoas reclamam da comida e do ar-condicionado. Foi colorido. Ela estava lá.

E desde sempre ela esteve lá. Todos os dias em que eu abri os meus olhos e a primeira coisa que pude ver foram finos fios dourados cobrindo a perfeição em detalhes que se perdem das palavras.

E assim passou cada dia do meu ano, a cada amanhecer eu pude ver a beleza da mudança. E em cada sorriso renovou-se a minha esperança para o amor. Em cada passeio, cada descoberta eu me fiz mais forte. E agora sou tão grande que não me alcanço.

Ela fez o meu ano, fez a minha vida. E agora para esse novo que está chegando, eu espero te dar mais do que seus sonhos possam alcançar.
Eu quero te levar comigo. Eu quero te levar pra vida.

Felicidades nesse ano para nós.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

É sim.

É verdade que a tristeza é larga
e estreita a melancolia?

Ah! Neruda...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Vida e morte

Engraçada essa maneira da vida de se fazer presente.

Ela te cutuca pelas costas, no meio de um dia qualquer te lembrando que você só nota a importância dela quando não mais a tem.

E a perda comprime todos os vãos por onde o ar corre em nosso corpo, e acaba com toda nossa compreensão. Mas eu devia...

É um eterno "mas e se"... tão doloroso. E se ao invés de acharmos que podíamos mudar o destino, simplesmente o mudarmos? Ao invés de perceber a vida na morte, simplesmente vivermos até a exaustão; que é onde cessa com o ritmo de seus passos seus batimentos cardíacos, e onde silencia de vez a voz da esperança.

É sempre um "foi melhor assim"... um conformismo que conforta, que nos torna plastificados, mas nos faz continuar. Nos faz vestir uma roupa preta, sempre digna de nosso estado de espírito, e colocar o despertador às 05h10. O dia acorda. E a vida chama, mesmo que ela não exista mais em um coração que junto enterra um pedaço do seu.

E é assim, todos os dias, em todos os lugares, e não há esconderijo suficiente para tanta incompreensão. Há joelhos que vacilam, e olhos que não se permitem desaguar no meio da rua. Alguém nos ensinou que chorar é fraqueza...

... fraca é essa nossa mania de deixar o futuro pro futuro, porque nessa vírgula ele acabou passar.

domingo, 8 de novembro de 2009

Só... completa.

Eu me descubro só.

Até quando estou cercada de pessoas me dizendo o que fazer, o que não fazer. O que ser, porque, como quando e onde eu estou só.

Dentro de mim a solidão esmaga toda a felicidade. E ela se expande para meus músculos, se irradia em meus órgãos, toma conta da minha vida.

E eu espero pacientemente o dia que outra mão ao tocar a minha, energize cada pedaço queratinizado de minha pele, e arranque de mim toda essa espera absurda na janela da sala.

Eu espero um dia ser completo, ser só... completa.

domingo, 1 de novembro de 2009

Sem vestígios.

Ela se afasta sem dizer adeus.

Todos os dias eu pergunto o significado de todas as coisas em minha vida. As flores perdidas na calçada me anunciam a primavera, e quando eu caminho por elas me sinto pisando na vida curta que foi complexada. Mas sei que não foi em vão. Sei que não é nunca em vão.

É assim também com o amor. Ele reaparece em primaveras e me vejo pisando nele nas fotografias que não tirei. Eu fico esperando em cada flor que nasce que aquela seja a minha oportunidade.

As minhas asas se quebraram da última vez, mas eu aprendi a pedir vôo, eu estou sempre viajando nas asas alheias, e em dias tristes me vejo no cinza da rua pensando porque eu sou tão dependente.

Eu comecei a tecer minhas novas asas, elas são compostas de um tecido frágil, embora muito belo, nas pontas sua costura é reforçada, com brilhantes e verdades. Não é análoga a nenhuma outra asa, nem tampouco homóloga, é só minha, feita de mágoas e quedas, construída de mãos cansadas de sinalizar e continuar parada esperando que alguém a leve. Seu mecanismo de vôo escapa à compreensão de todos os estudiosos da biomecânica.

Eu a estou preparando na mansidão do meu quarto. E junto com ela arqueio meu corpo fazendo nele novos espaços onde elas possam se encaixar. As quero funcionais, de orgão vestigial já basta meu coração, cansado de ser estudado e não compreendido. Cansado de ser somente um índicio dessa minha evolução sem rumo.

Adrienne tem força para erguê-las e colocá-las na altura dos concâvos de minhas costas. E em meus sonhos eu a vejo fazendo, se virando. Alço vôo e a vejo indo embora. Sem nenhum adeus.

Se ela volta, eu nunca posso saber. Quem sabe meu próximo pouso, numa próxima parada.

sábado, 24 de outubro de 2009

[c.]

Ele é diferente.
Tem essa mania de gente de sumir das minhas mãos.

Ele diz que não temos nada em comum, e eu acredito.

Essa minha urgência muda grita pra um sossego que sempre teima em não responder.
Ele dá de ombros, com a doçura ríspida de quem não tem medo de dizer verdades. E em todo meu flash-back são elas me sufocando. É como a vertigem depois de uma longa pausa interrompida bruscamente.

Parece uma menina pretensiosa falando sobre o homem, um dia, assim me sinto até mesmo quando meu corpo perde a linha que o divide do dele. Me sinto assim, quando seus dedos se fecham em volta de meu todo, e sua alma se perde tentando me fazer voltar de um lugar onde ele também está. Mas ele se agarra às encostas para sair, e eu quero ficar. Por vezes tenho vontade de chamá-lo para perto de mim, mas há de se entender que ali não é lugar pra gente grande.

Ele fala comigo como se estivesse atrás de uma vidraça, aguça todas as minhas fragilidades e me desarma numa terça-feira às quatro da tarde, e eu penso nele a caminho de casa. Categorizá-lo seria perder sua essência, e não há gênero em que se enquadre.

A sua solidão é tão mansa e tão certa que até a minha se envergonha. Suas palavras de firmeza doce cantam pra mim a fé do continuar mesmo sem saber o porquê. Até suas costas, suas mãos nos bolsos, seus sorrisos de dentes tortos... essa minha unilateralidade. Suas pernas, minhas pernas não alcançam. E ele se vai, completo.
E eu fico parada vendo seus passos que se sobrepoem um ao outro, cuidadosamente. Como saber onde aportam pés que buscam por algo que não sabem o que é?

Aportam em qualquer parada até que a próxima seja suficiente para preencher o vazio das respostas que a vida não o dá. E no meu telhado eu o espero em seu vôo, sou flor de primavera no céu.

Eu não conto pra ninguém, mas dizem que pássaros adoram flores.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E agora?


A força dessa terceira pessoa.


Quem é ela? Ela é tudo que mora dentro de mim e não se mostra, ela é aquela pessoa que me faz infeliz, só ela... eu não, eu tenho vida, tenho vontades, sonhos. Eu quero ir além, seguir em frente, e essas coisas todas que a gente ouve em palestras motivacionais...


Ela não faz questão de ser amigável, é tudo de baixo que habita entre os espaços vazios do meu peito, onde antes batia um coração. Ela me ingere aos poucos, usa tudo o que eu sou pra sobreviver, e a cada dia resta menos de mim.


Por vezes ela se mostra tão forte que da minha vontade se faz a dela. E se você olhar bem nos meus olhos você a vê, presa lá dentro em cada fora que a vida me dá. Ela se debate com todas as coisas que eu não consigo aceitar. Engole minha voz, e todas as negações da minha vida. E cada bobagem que eu carrego pra casa, é consumida por ela, e sem notar eu a crio, e a transformo em alguém bem maior que eu.


Eu não sei quando parar. De todos os passos que dou, o dela me leva pra casa. E de todas as coisas que sou, ela é... e a minha esperança é que em cada lágrima escorra um pouco de sua essência, e em todo o dia eu choro na esperança de não tê-la mais em mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Adrienne acha viver um absurdo

"A vida é um absurdo.

Viver é dolorido. E separar todos os fios emaranhados do destino exige paciência e disciplina."


Foi assim que ela se descobriu pensando enquanto estava sentada com as pernas esticadas com seu fios soltos na mão, no meio daquela sala mal iluminada, quando se despedia uma tarde de outubro.


A vida nunca lhe foi um mistério, mas agora uma simples opacidade de olhar adquirira um tom extremamente grave. Era o limite. Aquele de quem ela fugiu sua vida inteira.

Foi vivendo uma mesmice, um meio termo, uma vida de cor suja com medo de sua chegada. E agora seu coração oscila no mais breve tom.

Ela descobre todas as ausências em sua volta, e essas coisas não a deveriam afetar.

Ela pega suas carcaça, sua mudez, sua falta de coragem, se senta em frente ao computador e se vê movendo, um, dois... todos os dedos, e deles vazam sua dor. Todo seu repúdio, sua indignação.

Porque ela sabe que a vida é um absurdo, que não deveria, mas ela só sabe calar.

domingo, 11 de outubro de 2009

O tempo.



Das horas faz-se dias. E dos dias, por mais que os seguremos nas folhas do calendário, costuram-se os anos.
E os anos passam como se não víssemos a vida que segue.

De repente a gente se pega na frente de um álbum de retratos antigo, e descobre entre a poeira acinzentada e a rua sem asfalto um sorriso, a vida não era lá grande coisa, e crescer foi uma tarefa árdua, mas existia aquela coisa que chamavamos de esperança.
Esperança não sei do quê.

E agora, cético e sem cor, a gente se pergunta, o que era tão bonito? Bonita era essa mania de achar que de dentro de um poço vai sair uma fumaça encantada e nos levar por terras nunca sitiadas. A terra dos nossos sonhos.

Eu canso de pensar essas coisas enquanto passo pela avenida, não sei se é o frio que me deixa assim, ou se é o tempo quase perdido que passa por entre as faixas brancas pintadas no chão. Eu só cansei.

E aí descubro que passei tudo por quase nada. Hoje ninguém me traz café na cama pela manhã. E essa manhã que não vejo se descobre quando já estou sentada no lugar que não é meu. Então em meio a todos aqueles comandos, minha cabeça viaja pela imensidão dos caminhos e volta trazendo nos braços algo que demoro a reconhecer. São palavras, que me dizem indiscriminadamente: você acha que é feliz assim?

Eu penso mesmo que sacudir a cabeça e manter a concentração pode afastar toda essa festa delas. E isso não é hora de brincar. A graça acabou faz tempo. E eu percebo que o dia começou cinza, quando era melhor ter ficado no canto do quarto sem vontade de ser encontrada por palavras, por dias, por vidros espelhados que refletem uma imagem que não se reconhece nos retratos antigos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O filtro, era tudo que ela precisava.

E seus olhos não se acostumam a contemplar todas as coisas que seu corpo não entende.
Ela chega em casa e começa a se despir.
Tira o sorriso, os dedos, o desenho do corpo, o brilho dos olhos, e cai em si. Às vezes cai tão fundo que pensa não mais ter volta.

Desmonta com zelo toda essa sua cerimônia, esse seu agradecimento, finge que tem paciência. E junto escoam todas as suas palavras.

Está desarmada.

E sem armas, sem escudo, sem filtros, se descobre só... e só e nua de seu personagem. A única saída que tem é vestir-se de olhos vendados e punhos cerrados pra encarar a mentira em que vive.

Ou em que não vive.

domingo, 4 de outubro de 2009

Adrienne só sabe calar.

E dos dias ela carrega essa lágrimas contidas dentro dos olhos.

Sempre que Adrienne acha que as coisas vão melhorar ela sente que os pés vão perdendo o chão, e suas convicções a deixam. Então ao se ver totalmente só. Sem vida, sem risos, amores... sem chão, ela acha que o problema está nos outros. É claro que todos precisam colocar a culpa na mobília da sala. Se ela ao menos fosse convidativa.

Adrienne coloca a culpa nos outros pra não ter de encarar de frente e descobrir que se tornou tudo que odeia ver no espelho. Seus traços, um dia doces, hoje trazem as marcas duras e tristes de quem tentou fazer do mundo um lugar que nunca será o seu. Seus cabelos pagam por um capricho adolescente, que a deixou feliz visualmente. Era colorido. Ela não sabia que não era feliz.

Ela sabe que agora os seus braços cansaram de articular, e suas mãos, de garras, tornaram-se pêndulos. Carregam um peso sem vida. Seus medos aumentaram. Seu sono é incontínuo. E suas dores estão quebrando as barreiras e invadindo a casa dos vizinhos.

E agora, sem proteção, ela se vê sendo observada e imagina se todos podem ver que em seu corpo, além de dor, há uma necessidade urgente... e em seus olhos, além de lágrimas, há uma menina muda que espera pacientemente ser compreendida pelos olhos de alguém.

sábado, 3 de outubro de 2009

Não vale a pena.

Eu não sei oque fazer dessa falta de criatividade.

Tenho acreditado que minha falta de palavras é um reflexo do que eu vivo.
Eu até me esforço, faço piada de tudo. Minha cabeça dá um giro de 360° e eu consigo manter intacta a expressão de boneca de pano feliz. Isso deveria ser uma qualidade.

Mas não pode ser, quando eu sei que na verdade eu preciso de mãos que preencham as lacunas das minhas costas, preciso de frases e preciso das flores, de suas vidas curtas e plenas.
Preciso de algo que cure essa mania que meu corpo tem de não entender o mundo. Algo que cure essa minha sensibilidade de ferida aberta com as dores que não posso calar.

Preciso dar sentido e organizar o meu vôo. Nunca saber onde pousar deixa a insegurança tecer os caminhos que devo trilhar, e ela me leva pela mão, seu toque é frio e real. Me leva por espaços, vai quebrando meus limites. E me deixa partida em mil pedaços, no total desconhecido.
E eu não sei voltar pra casa.

Quando me olham, há só uma menina sentada com um caderno na calçada, esperando que o dia clareie, para que ache o caminho para voltar a si.
Quando me vêem, são tocados pela absurda falta de mim, e conseguem ler no meu caderno a última frase da última noite:

as pessoas são sim deveras doloridas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Malabarista.

Ela não se define.

Tem uma incurável mania de pedir desculpas, desculpas pelo que fez, o que não fez, o que não deveria ter feito, desculpas por existir, viver e ser. E depois pensa que isso não está certo, que não é desse jeito.

Entres as febres dos delírios, decidiu que era dia de admirar a árvore da praça. Andou um pouco, sentou-se perante ela, e lá ficou pensando que sua rigidez oca, guardaria em algum pedaço de seus vacúolos celulares sua imagem. Que mais quatrocentos anos não seriam suficientes para apagá-la.

Nesses momentos tenta conter as lágrimas, ela acha respeitoso. A liberdade. Todos esses mistérios a doíam de maneira tão profunda e voraz, que a impediam de se levantar, se impor, se expor. As outras pessoas não sabiam as profundas marcas que ela carregava por baixo da veste. O corpo inteiro vívido de experiências.

Ela não tinha consciência de si. A vida passava como da janela do carro em alta velocidade. Precisou de outra pessoa lhe dizer que não era viva. Que existia tão somente. Invadir-lhe de maneira impiedosa e somar seus nãos, mostrando que ganhavam peso. Se tornavam palpáveis. Ela sempre se perguntava em que momento perdera as rédeas de sua vida, isso deveria ter conserto. Era inutil tentar pensar nas coisas quando as coisas não queriam ser pensadas por ela. Os caminhos se desviavam de seus pés e tudo que ela conseguia era um vão de riscas intermináveis à sua frente.

O que ela precisava fazer era pegar uma risca, juntar à outra, desenhar sua sorte e transformá-las em formas que lhe dessem tom. A vastidão das riscas de seu corpo. Era doce, porém doída. Vez em quando se deixava caminhar por cima delas. E se desequilibrava, pensava desesperadamente: não me deixem cair em mim.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ela sempre volta.

Ela tinha que ir. Postou-se de pé, e imaculadamente se fez presente. Um pé, atrás outro pé. Atravessando a imensidão cinza do quarto. Ela nunca entendeu sobre física e vasos de flores, sempre achou que enfeitavam uma realidade. E eram enfeitados por ela.

Essa sua última recordação, a fazia cambalear sobre as finas pernas que sustentavam toda a irrealidade de sua vida. Esse filme de terceira categoria a fazia chorar passando pela rua onde um dia, o dia.

Ela oscila agora entre seus picos de criatividade e sua falta de percepção profunda. Onde teclado, dedos, letras se fundem e se confundem, fazendo-se dobrar. Os barulhos invadem-na transformando seus pensamentos em doloridos e pesados. De seus olhos, vitrais, vê-se o desabamento peça por peça de seu cenário de primavera.

Agora, ela passou pela porta, e sentada na poltrona vermelha e acolchoada, sua veste sagrada a espera. Se despe, vestindo. Se veste, despindo. E despida de seus personagens, isola-se.

Ela disse que não voltava mais. Essa conjugação mal feita, esse pretérito imperfeito, faz Adrienne sentar na janela, e com as mãos quietas e uma sublimidade absurda anunciar serena:

Deixe-me pular.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Não é não.

Não é nada demais. Foi a última frase escrita no caderno comprado na papelaria da esquina.

É como ralar o joelho, brincando de pega-pega, uma infância irremediável. Serve pra saber que estás vivo. Mas não é nada demais.

E estar vivo precisa doer? Fazia tempo que ela não lembrava todos os desesperos que tomavam seu corpo, fazendo-a refém. Ela não chora mais de tristeza.

Ela chora porque espera a tempos que alguém a invada e a conheça, a toque, e no toque a entenda. E ela espera essa pessoa, sentada numa calçada de uma rua escura, segurando nas mãos um caderno e uma caneta. O tempo passa, e junto a tinta acaba. Não sobrou mais pra tingir um coração.

Não sobrou mais para pintar o céu.

Então ela espera que no dia seginte faça sol, para que mesmo sem cores, ele chegue e não tenha medo de ser colorido.

O dia nasce.


Ela acorda sozinha, e sozinha se veste, nunca foi lá muito vaidosa.


Ao sair de casa, deixa sobre a mesa as palavras bonitas que dariam sentido a sua vida. Ao menos hoje.


Ela tem esse costume de esquecer tudo por onde vai. Todos acham que isso é um defeito. E ela não discorda, sorri meio sem graça, mas no fundo, ninguém sabe que ela sempre carrega o que não deve ser esquecido por ninguém. Carrega dentro de si.


Aquela frase perdida no meio da madrugada, o sorriso bonito de que se reconhece no outro, a mão que tocou a sua quando tudo pareceu nada.

Dessas coisas ela não ouve as pessoas falarem, elas não desconfiam as demasiadas coisas que ela traz junto de si.


E as palavras ela inventa agora, outras, que não dão sentido, mas fazem ela suportar o dia.
E as fazem dançar dentro de si, numa quase-festa. O dia ainda não nasceu, mas Alice sabe que as flores nunca tardam.


Haja setembro pra toda essa sua primavera.

Sobre o amor

Ele se desenha nas pontas dos meus dedos. Aquele rascunho sem forma, que vaza de todos os espaços, que está em todas as coisas...

Ela se sentou no meio fio, e quis falar com as estrelas; quem sabe elas a entenderiam; ela adiou todos os projetos e moveu o mundo, m-e-t-o-d-i-c-a-m-e-n-t-e, até que descobriu o inevitável: ela não sabia sobre o amor.

Ela sabia sim que era essa coisa que a gente fala depois do “beijo” na ligação telefônica, mas então era só isso? E porque os poetas, os românticos, os delírios, os deuses se postaram diante do muro, sem recuo; diante dele e se deixaram adentrar seu mundo?

A teimosia a faz acreditar que depois das seis alguém vai chegar, abrir a porta, pés, passos; braços, abraços; beijos, dentes, bocas; vida:Minha, sua, nossa.

A faz acreditar que alguém vai deitar e os pés não terão meias, mas não fará frio; o corpo não terá roupa, uma pele vestindo a outra; uma voz rouca cantando ela, e no teu ouvido a vida pulsando como pulsam os dias de primavera.

Essa teimosia de meio-fio, de meia-noite, de uma vida inteira, a faz acreditar que ela deve ligar, e ao telefone depois do “beijo”, nada mais ficará mudo.

domingo, 27 de setembro de 2009

Sobre a noite e o dia.

É assim que Alice costuma aparecer por entre as frestas das portas entreabertas.

Ela se esgueira, e vai deslizando entre as lacunas, até ganhar espaço. Ela tem um estojo de lápis de cor, que ela usa no terceiro ano da faculdade, ela não se importa com essas portas mal fechadas. Esses pré-conceitos.

Ela esqueceu de crescer, e colorir a vida pode diminuir o tamanho do vazio sem cor que habita a mansidão de seu corpo. Ela se pinta, se rabisca. Isso a transforma numa eterna tela. É claro que ela mal sabe seus motivos. Mas ela faz.

E entre todas aquelas palavras, todas aquelas imagens, os flashes, as músicas, os toques, tem a forma que teima em ficar cinza, como um plano de fundo de um desejo escondido. Uma vontade. É isso:

Uma folha arrancada do caderno, onde involuntariamente da ponta de seus dedos se desenham suas formas, seu nome, seus dedos. Mas não tem cor. Ele não tem um estojo de lápis de cor. Ainda.

Ela lembra dos dias, os dias passam o tempo todo. Talvez ela só tenha medo de ficar ali, sentada no escuro sozinha, esperando ouvir que aqueles motivos foram encontrados. Ah! Esses motivos. Que nos deixam sem chão no meio da noite esperando ouvir o que não vai. O que não quer.

E tem todos os outros motivos que fazem Alice querer que a porta se abra, e dela por entre a luz do corredor se desenhe vida, e que a vida adentre, se sente ao seu lado, e que cante... tem certas coisas que não sei dizer, e toque seu vazio com a maciez de quem sabe existir.

Porque Alice sabe que existir é suave.