terça-feira, 29 de setembro de 2009

Ela sempre volta.

Ela tinha que ir. Postou-se de pé, e imaculadamente se fez presente. Um pé, atrás outro pé. Atravessando a imensidão cinza do quarto. Ela nunca entendeu sobre física e vasos de flores, sempre achou que enfeitavam uma realidade. E eram enfeitados por ela.

Essa sua última recordação, a fazia cambalear sobre as finas pernas que sustentavam toda a irrealidade de sua vida. Esse filme de terceira categoria a fazia chorar passando pela rua onde um dia, o dia.

Ela oscila agora entre seus picos de criatividade e sua falta de percepção profunda. Onde teclado, dedos, letras se fundem e se confundem, fazendo-se dobrar. Os barulhos invadem-na transformando seus pensamentos em doloridos e pesados. De seus olhos, vitrais, vê-se o desabamento peça por peça de seu cenário de primavera.

Agora, ela passou pela porta, e sentada na poltrona vermelha e acolchoada, sua veste sagrada a espera. Se despe, vestindo. Se veste, despindo. E despida de seus personagens, isola-se.

Ela disse que não voltava mais. Essa conjugação mal feita, esse pretérito imperfeito, faz Adrienne sentar na janela, e com as mãos quietas e uma sublimidade absurda anunciar serena:

Deixe-me pular.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Não é não.

Não é nada demais. Foi a última frase escrita no caderno comprado na papelaria da esquina.

É como ralar o joelho, brincando de pega-pega, uma infância irremediável. Serve pra saber que estás vivo. Mas não é nada demais.

E estar vivo precisa doer? Fazia tempo que ela não lembrava todos os desesperos que tomavam seu corpo, fazendo-a refém. Ela não chora mais de tristeza.

Ela chora porque espera a tempos que alguém a invada e a conheça, a toque, e no toque a entenda. E ela espera essa pessoa, sentada numa calçada de uma rua escura, segurando nas mãos um caderno e uma caneta. O tempo passa, e junto a tinta acaba. Não sobrou mais pra tingir um coração.

Não sobrou mais para pintar o céu.

Então ela espera que no dia seginte faça sol, para que mesmo sem cores, ele chegue e não tenha medo de ser colorido.

O dia nasce.


Ela acorda sozinha, e sozinha se veste, nunca foi lá muito vaidosa.


Ao sair de casa, deixa sobre a mesa as palavras bonitas que dariam sentido a sua vida. Ao menos hoje.


Ela tem esse costume de esquecer tudo por onde vai. Todos acham que isso é um defeito. E ela não discorda, sorri meio sem graça, mas no fundo, ninguém sabe que ela sempre carrega o que não deve ser esquecido por ninguém. Carrega dentro de si.


Aquela frase perdida no meio da madrugada, o sorriso bonito de que se reconhece no outro, a mão que tocou a sua quando tudo pareceu nada.

Dessas coisas ela não ouve as pessoas falarem, elas não desconfiam as demasiadas coisas que ela traz junto de si.


E as palavras ela inventa agora, outras, que não dão sentido, mas fazem ela suportar o dia.
E as fazem dançar dentro de si, numa quase-festa. O dia ainda não nasceu, mas Alice sabe que as flores nunca tardam.


Haja setembro pra toda essa sua primavera.

Sobre o amor

Ele se desenha nas pontas dos meus dedos. Aquele rascunho sem forma, que vaza de todos os espaços, que está em todas as coisas...

Ela se sentou no meio fio, e quis falar com as estrelas; quem sabe elas a entenderiam; ela adiou todos os projetos e moveu o mundo, m-e-t-o-d-i-c-a-m-e-n-t-e, até que descobriu o inevitável: ela não sabia sobre o amor.

Ela sabia sim que era essa coisa que a gente fala depois do “beijo” na ligação telefônica, mas então era só isso? E porque os poetas, os românticos, os delírios, os deuses se postaram diante do muro, sem recuo; diante dele e se deixaram adentrar seu mundo?

A teimosia a faz acreditar que depois das seis alguém vai chegar, abrir a porta, pés, passos; braços, abraços; beijos, dentes, bocas; vida:Minha, sua, nossa.

A faz acreditar que alguém vai deitar e os pés não terão meias, mas não fará frio; o corpo não terá roupa, uma pele vestindo a outra; uma voz rouca cantando ela, e no teu ouvido a vida pulsando como pulsam os dias de primavera.

Essa teimosia de meio-fio, de meia-noite, de uma vida inteira, a faz acreditar que ela deve ligar, e ao telefone depois do “beijo”, nada mais ficará mudo.

domingo, 27 de setembro de 2009

Sobre a noite e o dia.

É assim que Alice costuma aparecer por entre as frestas das portas entreabertas.

Ela se esgueira, e vai deslizando entre as lacunas, até ganhar espaço. Ela tem um estojo de lápis de cor, que ela usa no terceiro ano da faculdade, ela não se importa com essas portas mal fechadas. Esses pré-conceitos.

Ela esqueceu de crescer, e colorir a vida pode diminuir o tamanho do vazio sem cor que habita a mansidão de seu corpo. Ela se pinta, se rabisca. Isso a transforma numa eterna tela. É claro que ela mal sabe seus motivos. Mas ela faz.

E entre todas aquelas palavras, todas aquelas imagens, os flashes, as músicas, os toques, tem a forma que teima em ficar cinza, como um plano de fundo de um desejo escondido. Uma vontade. É isso:

Uma folha arrancada do caderno, onde involuntariamente da ponta de seus dedos se desenham suas formas, seu nome, seus dedos. Mas não tem cor. Ele não tem um estojo de lápis de cor. Ainda.

Ela lembra dos dias, os dias passam o tempo todo. Talvez ela só tenha medo de ficar ali, sentada no escuro sozinha, esperando ouvir que aqueles motivos foram encontrados. Ah! Esses motivos. Que nos deixam sem chão no meio da noite esperando ouvir o que não vai. O que não quer.

E tem todos os outros motivos que fazem Alice querer que a porta se abra, e dela por entre a luz do corredor se desenhe vida, e que a vida adentre, se sente ao seu lado, e que cante... tem certas coisas que não sei dizer, e toque seu vazio com a maciez de quem sabe existir.

Porque Alice sabe que existir é suave.