sábado, 27 de fevereiro de 2021

Caos e cores

O toque sensível, inesperado. Até o telefone sentiu a delicadeza que aquele momento exigia. Um toque e meus olhos tocaram a tela. “Pensa rápido” me exigi. Seu nome me impediu de pensar. Entregue estava.

Do outro lado da linha um riso nervoso, abafado. A sua voz trazia o tremor raro dos seres donos da coragem de enfrentar seus medos. Não existia nada a ser pensado. Entregue estava.

Despretensioso era a palavra que eu dava ao que existia entre a gente, sem saber que, antes de ser, já era pretensão. Por não saber definir cronologicamente onde começou e por conseguir trazer um elemento ou um fato marcante decidiu que aquilo cabia ao universo do acaso. O acaso é nunca. O acaso não existe. Assim como o tempo é um momento preso na memória, o tempo é nunca. O tempo também não existe.

O quanto você precisa entorpecer sua mente para que seu ego desfaça as barreiras e seu sentir seja livre?

A voz agora menos abafada, mais tímida me pede “passa seu endereço”.

Eu me preparei, organizei metodicamente o raciocínio, li o script, decorei todos os diálogos, analisei as possibilidades. Pensei na lingerie perfeita, treinei o olhar certo. Aquele que seduz e convida, mas mantem a frieza e a distância necessárias para evitar a invasão de meu universo particular.

Quando eu te vi eu não desmoronei como uma menina apaixonada, eu não senti frio na barriga, meu coração não disparou e nenhum frio atravessou a minha coluna. “Pensa rápido” me exigi. O que tem por trás do seu sentir ou da sua aparente ausência de sentimento?

13 andares, um beijo. Abri a porta da minha casa, meu lugar sagrado. O espaço onde me pertenço, onde sou o que não posso ser em mais lugar nenhum do mundo, onde ninguém habita. Entrei e segurei na maçaneta, dei passagem para que ele entrasse e num espaço tão curto de tempo quanto é possível a mente humana captar, eu compreendi... 

Não existia ausência o que existia era a incapacidade de nomear o novo.

Aos poucos meu corpo foi pesando, minha mente foi perdendo a habilidade de ordenar, os scripts foram escoando pelos espaços abertos de mim. Eu te reconheci, eu me reconheci em ti. Esse era o sentir. 

03h43 da manhã e já existiam nossas brincadeiras. Nosso jeito de existir antes de existir. Três horas depois, beijos, conversas, beijos, música alta, beijos, álcool, beijos, risadas, beijos e a extrema necessidade de compreensão.

Sumiram os diálogos, só existiam as possibilidades.

Tempo para um banho. Precisava do toque da água na minha pele para que eu pudesse me salvar de mim. Pensei na lingerie perfeita, na melhor posição, o jeito mais gostoso e confortável de pertencer. O ângulo mais bonito para que a gente finalmente materializasse os meses de conversas e trocas imaginarias. Minha cabeça girava, meu corpo não obedecia. Meus comandos estavam gastos.

Como em um filme, a cena corta, te encontro, mas não coloco a lingerie, não sigo o roteiro. 

Coloco uma camiseta GG do Harry Potter gasta e só. Sem ângulos bonitos e sem a lingerie perfeita eu encontrei o jeito mais bonito de pertencer e foi assim que a gente dormiu.

E então depois de meses de espera, sem sexo e sem cenas pitorescas de um filme de quinta categoria protagonizado na minha cama, a gente dormiu. Por 6 horas atravessados na cama.

Só restaram as possibilidades.

Acordamos juntos e de ressaca. Entregues estávamos e foi assim, desse jeito nosso e único que aquela noite eu te amei. Nossos universos colidiram e eu finalmente te reencontrei pouco antes de te perder.

Nada convencional, o telefone emudeceu. Foi assim que te perdi?

Nada convencional. Nada funcionou como tinha que ser. Agora a sua falta me habita e minha casa é reflexo do caos que você deixou. Nada está de volta ao lugar e foi assim que me perdi.