sábado, 24 de outubro de 2009

[c.]

Ele é diferente.
Tem essa mania de gente de sumir das minhas mãos.

Ele diz que não temos nada em comum, e eu acredito.

Essa minha urgência muda grita pra um sossego que sempre teima em não responder.
Ele dá de ombros, com a doçura ríspida de quem não tem medo de dizer verdades. E em todo meu flash-back são elas me sufocando. É como a vertigem depois de uma longa pausa interrompida bruscamente.

Parece uma menina pretensiosa falando sobre o homem, um dia, assim me sinto até mesmo quando meu corpo perde a linha que o divide do dele. Me sinto assim, quando seus dedos se fecham em volta de meu todo, e sua alma se perde tentando me fazer voltar de um lugar onde ele também está. Mas ele se agarra às encostas para sair, e eu quero ficar. Por vezes tenho vontade de chamá-lo para perto de mim, mas há de se entender que ali não é lugar pra gente grande.

Ele fala comigo como se estivesse atrás de uma vidraça, aguça todas as minhas fragilidades e me desarma numa terça-feira às quatro da tarde, e eu penso nele a caminho de casa. Categorizá-lo seria perder sua essência, e não há gênero em que se enquadre.

A sua solidão é tão mansa e tão certa que até a minha se envergonha. Suas palavras de firmeza doce cantam pra mim a fé do continuar mesmo sem saber o porquê. Até suas costas, suas mãos nos bolsos, seus sorrisos de dentes tortos... essa minha unilateralidade. Suas pernas, minhas pernas não alcançam. E ele se vai, completo.
E eu fico parada vendo seus passos que se sobrepoem um ao outro, cuidadosamente. Como saber onde aportam pés que buscam por algo que não sabem o que é?

Aportam em qualquer parada até que a próxima seja suficiente para preencher o vazio das respostas que a vida não o dá. E no meu telhado eu o espero em seu vôo, sou flor de primavera no céu.

Eu não conto pra ninguém, mas dizem que pássaros adoram flores.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E agora?


A força dessa terceira pessoa.


Quem é ela? Ela é tudo que mora dentro de mim e não se mostra, ela é aquela pessoa que me faz infeliz, só ela... eu não, eu tenho vida, tenho vontades, sonhos. Eu quero ir além, seguir em frente, e essas coisas todas que a gente ouve em palestras motivacionais...


Ela não faz questão de ser amigável, é tudo de baixo que habita entre os espaços vazios do meu peito, onde antes batia um coração. Ela me ingere aos poucos, usa tudo o que eu sou pra sobreviver, e a cada dia resta menos de mim.


Por vezes ela se mostra tão forte que da minha vontade se faz a dela. E se você olhar bem nos meus olhos você a vê, presa lá dentro em cada fora que a vida me dá. Ela se debate com todas as coisas que eu não consigo aceitar. Engole minha voz, e todas as negações da minha vida. E cada bobagem que eu carrego pra casa, é consumida por ela, e sem notar eu a crio, e a transformo em alguém bem maior que eu.


Eu não sei quando parar. De todos os passos que dou, o dela me leva pra casa. E de todas as coisas que sou, ela é... e a minha esperança é que em cada lágrima escorra um pouco de sua essência, e em todo o dia eu choro na esperança de não tê-la mais em mim.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Adrienne acha viver um absurdo

"A vida é um absurdo.

Viver é dolorido. E separar todos os fios emaranhados do destino exige paciência e disciplina."


Foi assim que ela se descobriu pensando enquanto estava sentada com as pernas esticadas com seu fios soltos na mão, no meio daquela sala mal iluminada, quando se despedia uma tarde de outubro.


A vida nunca lhe foi um mistério, mas agora uma simples opacidade de olhar adquirira um tom extremamente grave. Era o limite. Aquele de quem ela fugiu sua vida inteira.

Foi vivendo uma mesmice, um meio termo, uma vida de cor suja com medo de sua chegada. E agora seu coração oscila no mais breve tom.

Ela descobre todas as ausências em sua volta, e essas coisas não a deveriam afetar.

Ela pega suas carcaça, sua mudez, sua falta de coragem, se senta em frente ao computador e se vê movendo, um, dois... todos os dedos, e deles vazam sua dor. Todo seu repúdio, sua indignação.

Porque ela sabe que a vida é um absurdo, que não deveria, mas ela só sabe calar.

domingo, 11 de outubro de 2009

O tempo.



Das horas faz-se dias. E dos dias, por mais que os seguremos nas folhas do calendário, costuram-se os anos.
E os anos passam como se não víssemos a vida que segue.

De repente a gente se pega na frente de um álbum de retratos antigo, e descobre entre a poeira acinzentada e a rua sem asfalto um sorriso, a vida não era lá grande coisa, e crescer foi uma tarefa árdua, mas existia aquela coisa que chamavamos de esperança.
Esperança não sei do quê.

E agora, cético e sem cor, a gente se pergunta, o que era tão bonito? Bonita era essa mania de achar que de dentro de um poço vai sair uma fumaça encantada e nos levar por terras nunca sitiadas. A terra dos nossos sonhos.

Eu canso de pensar essas coisas enquanto passo pela avenida, não sei se é o frio que me deixa assim, ou se é o tempo quase perdido que passa por entre as faixas brancas pintadas no chão. Eu só cansei.

E aí descubro que passei tudo por quase nada. Hoje ninguém me traz café na cama pela manhã. E essa manhã que não vejo se descobre quando já estou sentada no lugar que não é meu. Então em meio a todos aqueles comandos, minha cabeça viaja pela imensidão dos caminhos e volta trazendo nos braços algo que demoro a reconhecer. São palavras, que me dizem indiscriminadamente: você acha que é feliz assim?

Eu penso mesmo que sacudir a cabeça e manter a concentração pode afastar toda essa festa delas. E isso não é hora de brincar. A graça acabou faz tempo. E eu percebo que o dia começou cinza, quando era melhor ter ficado no canto do quarto sem vontade de ser encontrada por palavras, por dias, por vidros espelhados que refletem uma imagem que não se reconhece nos retratos antigos.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O filtro, era tudo que ela precisava.

E seus olhos não se acostumam a contemplar todas as coisas que seu corpo não entende.
Ela chega em casa e começa a se despir.
Tira o sorriso, os dedos, o desenho do corpo, o brilho dos olhos, e cai em si. Às vezes cai tão fundo que pensa não mais ter volta.

Desmonta com zelo toda essa sua cerimônia, esse seu agradecimento, finge que tem paciência. E junto escoam todas as suas palavras.

Está desarmada.

E sem armas, sem escudo, sem filtros, se descobre só... e só e nua de seu personagem. A única saída que tem é vestir-se de olhos vendados e punhos cerrados pra encarar a mentira em que vive.

Ou em que não vive.

domingo, 4 de outubro de 2009

Adrienne só sabe calar.

E dos dias ela carrega essa lágrimas contidas dentro dos olhos.

Sempre que Adrienne acha que as coisas vão melhorar ela sente que os pés vão perdendo o chão, e suas convicções a deixam. Então ao se ver totalmente só. Sem vida, sem risos, amores... sem chão, ela acha que o problema está nos outros. É claro que todos precisam colocar a culpa na mobília da sala. Se ela ao menos fosse convidativa.

Adrienne coloca a culpa nos outros pra não ter de encarar de frente e descobrir que se tornou tudo que odeia ver no espelho. Seus traços, um dia doces, hoje trazem as marcas duras e tristes de quem tentou fazer do mundo um lugar que nunca será o seu. Seus cabelos pagam por um capricho adolescente, que a deixou feliz visualmente. Era colorido. Ela não sabia que não era feliz.

Ela sabe que agora os seus braços cansaram de articular, e suas mãos, de garras, tornaram-se pêndulos. Carregam um peso sem vida. Seus medos aumentaram. Seu sono é incontínuo. E suas dores estão quebrando as barreiras e invadindo a casa dos vizinhos.

E agora, sem proteção, ela se vê sendo observada e imagina se todos podem ver que em seu corpo, além de dor, há uma necessidade urgente... e em seus olhos, além de lágrimas, há uma menina muda que espera pacientemente ser compreendida pelos olhos de alguém.

sábado, 3 de outubro de 2009

Não vale a pena.

Eu não sei oque fazer dessa falta de criatividade.

Tenho acreditado que minha falta de palavras é um reflexo do que eu vivo.
Eu até me esforço, faço piada de tudo. Minha cabeça dá um giro de 360° e eu consigo manter intacta a expressão de boneca de pano feliz. Isso deveria ser uma qualidade.

Mas não pode ser, quando eu sei que na verdade eu preciso de mãos que preencham as lacunas das minhas costas, preciso de frases e preciso das flores, de suas vidas curtas e plenas.
Preciso de algo que cure essa mania que meu corpo tem de não entender o mundo. Algo que cure essa minha sensibilidade de ferida aberta com as dores que não posso calar.

Preciso dar sentido e organizar o meu vôo. Nunca saber onde pousar deixa a insegurança tecer os caminhos que devo trilhar, e ela me leva pela mão, seu toque é frio e real. Me leva por espaços, vai quebrando meus limites. E me deixa partida em mil pedaços, no total desconhecido.
E eu não sei voltar pra casa.

Quando me olham, há só uma menina sentada com um caderno na calçada, esperando que o dia clareie, para que ache o caminho para voltar a si.
Quando me vêem, são tocados pela absurda falta de mim, e conseguem ler no meu caderno a última frase da última noite:

as pessoas são sim deveras doloridas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Malabarista.

Ela não se define.

Tem uma incurável mania de pedir desculpas, desculpas pelo que fez, o que não fez, o que não deveria ter feito, desculpas por existir, viver e ser. E depois pensa que isso não está certo, que não é desse jeito.

Entres as febres dos delírios, decidiu que era dia de admirar a árvore da praça. Andou um pouco, sentou-se perante ela, e lá ficou pensando que sua rigidez oca, guardaria em algum pedaço de seus vacúolos celulares sua imagem. Que mais quatrocentos anos não seriam suficientes para apagá-la.

Nesses momentos tenta conter as lágrimas, ela acha respeitoso. A liberdade. Todos esses mistérios a doíam de maneira tão profunda e voraz, que a impediam de se levantar, se impor, se expor. As outras pessoas não sabiam as profundas marcas que ela carregava por baixo da veste. O corpo inteiro vívido de experiências.

Ela não tinha consciência de si. A vida passava como da janela do carro em alta velocidade. Precisou de outra pessoa lhe dizer que não era viva. Que existia tão somente. Invadir-lhe de maneira impiedosa e somar seus nãos, mostrando que ganhavam peso. Se tornavam palpáveis. Ela sempre se perguntava em que momento perdera as rédeas de sua vida, isso deveria ter conserto. Era inutil tentar pensar nas coisas quando as coisas não queriam ser pensadas por ela. Os caminhos se desviavam de seus pés e tudo que ela conseguia era um vão de riscas intermináveis à sua frente.

O que ela precisava fazer era pegar uma risca, juntar à outra, desenhar sua sorte e transformá-las em formas que lhe dessem tom. A vastidão das riscas de seu corpo. Era doce, porém doída. Vez em quando se deixava caminhar por cima delas. E se desequilibrava, pensava desesperadamente: não me deixem cair em mim.