domingo, 2 de janeiro de 2011

Os olhos do coração.

Não era bem assim. As palavras soltas voavam junto ao vento dessa tarde de verão. Era verão, estava chovendo e frio. Meus cabelos estavam despenteados e os cotovelos ralados do balaustre mal feito da sacada. Meus olhos estavam cansados de mirar o ponto cinza e verde que se desenhava por trás do carro vinho estacionado do outro lado da rua. Ao lado da minha cama tinha uma porção de livros interminados. Eu lia um pouco de cada vez, pra que as histórias se misturassem, eu gostava da sensação de não estar lendo a mesma história que alguém já leu. Era como segurar o exato momento do sentido de um estranho. O suspiro da frase. As visitas estavam na sala. Era, obviamente, final de semana. Todos estavam deitados no tapete marrom e aconhegante, rindo, bebendo e falando coisas banais. Dessas que falamos quando nos sentimos a vontade na presença de alguém. Da sacada, meus olhos se desviaram do verde-cinza irremediável do dia. Em um movimento lento e preguiçoso eles buscavam o que jamais poderiam ver. Eles te queriam sentado na praça, onde aquelas folhas estavam todas despedaçadas no chão, eles te queriam de camiseta preta, desajeitado, sem saber onde colocar as mãos enquanto pensa no tempo que passa, enquanto inseguro imagina o que há de ser do nosso futuro. Enquanto aflito não sabe se deve ou não deitar ao meu lado. Eu te queria ali porque saberia que não poderia ter. Não era só a sacada que nos separava, não eram só meus olhos lentos e preguiçosos que não te encontravam, não era só a praça que estava molhada da chuva desfazendo a imagem serena de pintura de criança que eu tinha de você, era você também. Você não vinha, mesmo quando eu te chamava. Era um grito interno, pronto pra explodir dentro de mim. Mas eu tinha medo de assustar os passarinhos, porque quando você não vinha era neles que meus olhos dormiam, estáticos feito estátua de mármore desencantada. O grito morria preso entre a garganta e a boca e o ar que eu juntava nos pulmões me sufocavam cada vez que eu percebia que não poderiam me ouvir se eu não falasse. Era simples assim, óbvio assim. Mas eu queria ir além do óbvio. E você estava acima do simples. Talvez por isso escapasse das minhas mãos, feitas senão para o aparato rústico. A minha força bruta esmagaria sua perfeição de cristal.
E eu o queria vivo, inteiro, mesmo que longe. Como o queria. Em sua perfeição de pássaro caído sobre as folhas despedaçadas da praça que, na contramão do meu desejo, começava a anoitecer.

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