sábado, 22 de janeiro de 2011

Sou lago.




Primeiro jogou os livros, o caderno de três semestres atrás, a bolsa, os fones de ouvido, e por último se jogou. Seu vestido de listras azuis e brancas voaram junto ao impulso de seu corpo. De pé, do alto, ela podia ver o parque todo. Até o último skatista que deslizava naquela imensidão cinza da pista cortada pelo verde intrometido das poucas árvores enquadradas naquela tarde. Lembrara-se de ter pensado enquanto subia com aquele sol brilhando em seus contornos que esperava que ninguém tivesse ocupando o seu lugar; como se algum lugar no mundo fosse capaz de pertencê-la, como se ela mesma fosse capaz de pertencer a algum lugar. Estava vazio. Ela nunca soube definir o que sentia ao ver seu lugar desta maneira: um misto de felicidade por sentir-se unicamente corajosa por subir no mais alto ponto e de tristeza pelo exato mesmo motivo. Era janeiro e o parque estava muito mais cheio que de costume, o verão estava ardendo pela cidade, os parques eram os únicos refúgios dos paulistanos. Um pouco incomodada ainda, sentou-se. Dali podia observar o dia sendo. Os casais passeando, os cães se escondendo do sol, os apressados que usavam o parque como atalho, os aprendizes, os seguranças, os coqueiros, os bancos, os chafarizes, o lago abaixo de seus pés sempre tão calmo e raso, no fundo ainda era possível ver os skatistas, os cones, as escadas, os celulares, os rostos, a ligação esperada em cada sorriso escapista. E pensava desesperançada que as pessoas não se importavam em existir, olhando lá de cima não parecia doer em ninguém. Respirou fundo, observando as curvas de suas pernas sentada em forma de borboleta, ao reerguer sua cabeça pode observar que trouxera junto de si todo o cinza, o dia claro começara a se transformar no céu de chuva característico de São Paulo. O vento apressado fazia os chafarizes se contorcerem, as folhas balançavam quase que em renuncia. O lago antes calmo e raso, agora dançava em ritmo aleatoriamente definido por forças externas. Uma outra olhada pra cima, e depois que piscaram, seus olhos podiam ver todos indo embora. Era só o anúncio que uma grande catástrofe estaria por vir, e as pessoas não se demoravam a sumir. Feito filme enfiavam-se por entre as árvores, os bancos, seus pés fugidios nas escadas, os skatistas, os guardas, não sobrou ninguém, até os celulares foram guardados nas bolsas como a garantia da próxima ligação. O vento carregou meus livros e minha bolsa, ainda a tempo de segurar pude ver a ousadia do fotografo lutando pela última foto. Desistiu. Agora eu estava sozinha com o lago, que inutilmente dançava sua valsa mais bonita. Último ato. Só meus olhos como testemunha, eu nem me importava mais com o vento que levava meu vestido no mesmo ritmo do lago. Eu me deixava ir, sentia em mim toda a fúria e revolta da natureza. Como quem arma um show por amor à arte e não pelo lucro com a venda dos ingressos a natureza tinha sido abandonada à sua própria beleza. Não importava mais se alguém pagou pela vida, importava agora o que nunca poderia ser visto. Então é isso, a vida te custa caro e você foge no momento que ela se mostra como é? Eu pensei desesperançosa que minha vida era como o lago, era como essa força da natureza. Apreciada quando calma e lenta. Quase superficial. E quando se mostrava, quando não suportava mais não ser só como se deve ser, assustava. De antemão as pessoas fugiam sem saber se ainda o que viria poderia ser belo. Fugiam por não saber apreciar o que existe fora do lugar-comum. Por não saber lidar com o inesperado. Por não saber estender os braços, e totalmente alheios aos julgamentos fechar a última cena dançando comigo. Que insistente continuava ali...
Não que os dias de sol não tenham sua beleza, longe de mim afirmar isso, mas me diz, quem mais sabe apreciar, livre como o lago, um dia de chuva?

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